O rock nacional e opiniões polêmicas nas redes sociais
O Capital News fez uma entrevista especial com Tico Santa Cruz, que falou sobre a nova música e pontos de vista polêmicos
O Capital News fez uma entrevista especial com o músico, compositor, escritor e ativista Tico Santa Cruz, que falou sobre a nova música, o papel de artistas como formadores de opinião, os pontos de vista polêmicos nas redes sociais, o impeachment da ex-presidenta Dilma e a prisão de Lula.
Considerado um dos maiores sucessos do rock nacional, o Detonautas fez show em Mato Grosso do Sul, no último fim de semana. A banda se apresentou em Campo Grande, numa casa tradicional de sertanejo e samba, e em Jardim, na 11ª edição do Moto Show.
Na semana mundial do rock, o grupo lançou o clipe da música “Por Onde Você Anda”, gravada em parceria com o cantor Lucas Lucco.
Capital News - Vocês gravaram uma música com o Lucas Lucco e o clipe estreia nesta quarta-feira (11). Como foi a parceria para juntar o rock com o sertanejo universitário?
Tico Santa Cruz - De todos os estilos que a gente tem hoje, o rock é o que está mais isolado dos demais, que estão fazendo suas interações. Achamos que seria legal procurar um artista que rolasse uma afinidade. O Lucas é um cara que gosta de rock, ouviu Detonautas quando era mais novo e cresceu tocando rock nacional em bares. Ele se encaixou muito bem. Não fomos para dentro do universo dele cantar sertanejo. Trouxemos ele para cantar com a gente uma música do nosso disco, lançado no ano passado, e fluiu muito bem. Tenho muito respeito pelo trabalho que ele vem fazendo, independente de gostar ou não de sertanejo, de ser ou não favorável a como o mercado se comporta. Todo mundo aprendeu nesse processo de comunhão para fazer a música
Capital News - A cantora norte-americana Nina Simone disse uma vez que “os artistas devem refletir seu tempo”. Que música retrataria a atual situação social, política e econômica brasileira?
Tico Santa Cruz - Tem várias músicas que falam sobre isso. No reggae, por exemplo, tem “Deixa o Menino Jogar”, do Natiruts, que fala “que a saúde do povo daqui é o medo dos homens de lá; sabedoria do povo daqui é o medo dos homens de lá; a consciência do povo daqui é o medo dos homens de lá”. Em 1979, o Legião Urbana fez “Que País é Esse?”, que é atemporal e até hoje a galera canta. Também tem “Diversão”, do Titãs. O Detonautas tem várias músicas, “Ladrão de Gravata”, “Mercador das Almas”, “Quem é Você?”, que é de 2013 e fala sobre a questão vivenciada nos últimos tempos. O rap, desde os anos 80, falam sobre o assunto. Tem representantes como Emicida, Racionais, Criolo, Gabriel Pensador, uma série de artistas que são ícones dessa geração. O Brasil é rico em músicas que tratam da questão social, política e econômica. É uma maneira de acessar o público e trazer outras ideias, além de só falar de amor e coisas românticas.
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Janaína Yamashita (@yamashitafotografias) |
Capital News - Você é considerado um artista com pontos de vista polêmicos sobre a política e que inspira muitos jovens. Qual a importância da classe artística como formadora de opinião?
Tico Santa Cruz - Nunca enxerguei na arte só o entretenimento. Também tem como função o questionamento do mundo, da sociedade, do sistema. A gente tem que trazer consciência, de alguma forma, para que as pessoas se perguntem onde estão, o que estão fazendo, a serviço de quem e por que elas estão inseridas dentro de tudo isso que estamos vivenciando. Acho que a música pode fazer isso e o artista, se quiser, tem esse poder, porque fala pra muita gente e tem um grande alcance. Eu acho que é desperdiçar esse alcance falando só das suas intimidades, do seu dia a dia. Nós somos privilegiados e temos a função de atuar para quem não tem os mesmos privilégios. Eu faço dos meus espaços esse viés, por onde a gente pode se comunicar a respeito disso. E o Detonautas também tenta passar essa ideia através das músicas.
Capital News - Você cogitaria um cargo na política para estas ou em próximas eleições?
Tico Santa Cruz - Não. Eu acho que minha função é como artista mesmo. Eu tenho mais alcance como artista. É importante que as pessoas se coloquem à disposição, quem tem interesses realmente legítimos em representar as minorias, os negros, as mulheres, os LGBTs, os índios, e que não tem o alcance que podem ter dentro de um parlamento, seja na Assembleia Legislativa, na Câmara dos Vereadores, no Congresso Nacional. A gente se coloca à disposição como artista, para poder levantar as questões e não deixar isso ficar barato como temos visto por aí. Acho que se me filiasse a algum partido e entrasse como político talvez perdesse muito do meu alcance de desenrolar e falar com pessoas, que às vezes até me criticam ou não gostam da minha posição, mas me escutam. Como político, a gente perde um pouco desse alcance e tem que atuar do lado institucional. Dentro do lado institucional eu não me enxergo ainda, não vejo essa possibilidade.
Capital News - É por esse motivo que quase não vemos músicos dentro da política? A classe tem mais força fora do meio?
Tico Santa Cruz - Não sei. Isso é uma percepção individual minha. Existem alguns artistas que foram pro campo político e que tentaram fazer alguma coisa, da forma deles, alguns com os quais eu não concordo. A sociedade tem que entender que ela é parte do sistema político. Quem está lá, está representando a gente e não saiu de marte, saiu daqui. A galera não se colocar à disposição, aí eu incluo artistas, profissionais de todas as áreas, estudantes, pessoas que tenham vontade de atuar dentro do institucional. Se cada um fizer sua parte, talvez a gente consiga mudar. Mas isso é uma coisa que ainda estamos aprendendo. Espero que possamos ter um processo democrático, que está ameaçado desde o impeachment até esse momento. Temos que cuidar muito bem da nossa democracia, para não entregar ela para qualquer um aí fazer o que quiser e destruir ainda mais o cenário que já estamos vivendo.
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Janaína Yamashita (@yamashitafotografias) |
Capital News - Falando em impeachment, Dilma rainha, o resto nadinha?
Tico Santa Cruz - Não enxergo em políticos personagens que sejam salvadores, não tenho essa ilusão. A Dilma foi uma mulher injustiçada. Ela cometeu os seus equívocos como administradora, mas acho que ela não compactuou com toda essa baderna que vemos há muitos anos do Brasil. Ela se isolou porque não conseguiu diálogo com esses bandidos que estão ali até agora. Infelizmente, ela foi retirada de uma maneira que não acho que seja legítima. Por isso, considero que o que houve foi um golpe branco, um golpe parlamentar. Não dependeu do Exército nem de um outro país diretamente para conseguir ser efetivado. Mas tem a participação de interesses estrangeiros e nacionais, que são muito obscuros, e as pessoas não se ligaram. Eu respeito muito a história da Dilma. Ela tem uma trajetória muito importante dentro do Brasil de resistência, de luta pela democracia e pelas pessoas mais pobres que não tem acesso aos privilégios que muitos tem. Mas não gosto dessas conotações que colocam os políticos como se fossem reis e rainhas, heróis, salvadores da pátria. A Dilma foi fazer a função dela e, infelizmente, foi retirada. Ela ainda pode contribuir nas próximas eleições, como senadora por Minas Gerais.
Capital News - Lula livre?
Tico Santa Cruz - Eu acho que o processo do Lula passa pelo caso da Dilma. Eu não posso afirmar categoricamente se ele é um cara inocente dentro desse sistema. Mas eu posso dizer que, dentro do que eu vi, do processo que colocou ele atrás das grades, que prendeu ele, não tem provas que são suficientes para poder prender. A questão do Lula é um movimento para poder retirá-lo da disputa eleitoral, porque todo mundo sabe que se ele entrar, ele ganha. Mas não sou um cara que vou colocar minha mão no fogo, porque sei que dentro desse sistema não tem santo. Dizer se ele é inocente ou culpado não cabe a mim. Cabe a um juiz, que seja imparcial, uma pessoa séria, o que não é o caso do juiz que está julgando neste momento. Da maneira como está sendo feito é nitidamente um movimento político, não me soa como um movimento jurídico, como deveria ser. Eu espero realmente que as pessoas entendam que eu não estou aqui para defender o Lula. Também não estou aqui para acusá-lo de algo que não vi nenhuma prova concreta para poder colocá-lo na cadeia.