terça-feira, novembro 14, 2017

“Está faltando amor na vida das pessoas”, diz Tico Santa Cruz

Foto: Rafael Kent
“Está faltando amor na vida das pessoas”, diz Tico Santa Cruz
Fonte: O Popular | Por: Bruno Félix | 10/11/2017 19:00

Em 2017, a banda Detonautas completou 20 anos. Como você analisa a sonoridade atual da
banda?
Somos uma banda de resistência. Enquanto vários grupos estão acabando, nós estamos com um disco novo que vem com uma leitura mais leve do ponto de vista instrumental e harmônico. As letras também fazem um contraponto ao discurso de intolerância e de ódio que estamos observando, com uma mensagem mais afetiva e menos reativa em relação ao que está acontecendo. A música que tem sobre política no disco, chamada de Brother, é uma faixa que aborda essa necessidade do diálogo das pessoas abrirem a escuta e não se trancarem em abordagens que são totalmente rasas. De certa forma, o novo álbum da banda vem trazer um pouco de afeto no coração das pessoas para ver se a gente quebra esse ciclo de raiva.

Considera o álbum VI o mais maduro da carreira da banda?
É um álbum leve, que foi produzido por nós mesmos ao longo dos últimos 8 meses. Um trabalho que determinou muita disciplina e dedicação de todos. Contamos com participações de artistas importantes como o Leoni na faixa Dias Assim, Regis Leal em Nossos Segredos e Fabrício Iorio em Você Vai Lembrar De Mim e Na Sombra de uma Árvore, música de Hyldon que regravamos. A gente vai amadurecendo depois de 20 anos. Eu ia me sentir bastante frustrado se estivesse repetindo formas e conceitos ao longo do tempo, me sentiria um artista engessado, o que não é a proposta do Detonautas. Nossa proposta é buscar sempre novos horizontes e estamos conseguindo.

Além da música, você atua no campo da literatura. Na carreira, lançou um livro de contos e poesias eróticas, um romance policial, uma obra de crônicas e um trabalho infantil. Como você
consegue conciliar o tempo?
É possível. Com a tecnologia ficou tudo mais fácil. A presença física nem sempre é tão necessária como era antigamente. Inclusive, uma coisa é complementar a outra. Sempre gostei de ler e de escrever, então as duas formas estão dentro da minha mente como uma coisa única. Além disso, escrever canções passa pelo processo da literatura, da poesia, da utilização das palavras para manifestar sensações, percepções, motivações, propósitos para a vida.

Como surgiu o interesse em escrever o livro infantil O Elefante e a Borboleta?
É uma maneira que encontrei de colaborar com esse processo de leitura das crianças. A ideia é oferecer para o público infantil uma visão de amor sem se ligar nas diferenças, do amor livre, real, fraterno, de um amor com uma abordagem mais voltada para o respeito e pelo carinho com o outro. Tenho dois filhos, uma menina de 9 anos e um rapaz de 16, e os dois sempre tiveram o hábito de leitura. 

Em um momento que se discute calorosamente sobre gênero, o livro conta a história de romance de um elefante com uma borboleta. Você levanta uma bandeira contra o preconceito?
O amor não enxerga e não releva as diferenças. A abordagem de gênero não é a proposta do livro, mas o amor inserido nesse contexto acaba passando por essa questão do modo de olhar para as pessoas do jeito que elas são e de aceitar isso sem necessariamente impor uma fórmula ou uma maneira de poder amar alguém. Infelizmente as pessoas têm mais facilidade de demonstrar o ódio e o preconceito do que de estimular e respeitar o amor.

A mensagem principal do livro é que o amor não é impossível?
O amor não é impossível. O meu livro é bem claro e leve e fala da vontade de alguém estar do lado de outra e essa representatividade vai na metáfora da obra porque a borboleta pode voar para qualquer lugar e o elefante está preso, mas a borboleta sempre volta a ele porque ela o ama. Ela poderia estar em qualquer lugar, mas escolhe estar do lado dele, que não tem opção. A mensagem que quero passar é que o amor transcende qualquer barreira e de que ele tem que ser respeitado e entendido como manifestação nobre, digna e importante para o ser humano. Acho que está faltando amor na vida das pessoas. A gente precisa amar mais do que se apegar exatamente aos padrões e determinações que, no fundo, foram criadas para dividir as pessoas e a nossa ideia é unir.

Você faz parte de um movimento da classe artística que defende diretas já. Como você analisa o
governo Temer?
É um governo que não tem nenhum vínculo em fazer um País sério, limpo e todas aquelas bandeiras que foram levantadas em relação à corrupção. É tudo uma mentira. Cada um dos políticos está ali defendendo o que é seu e todos foram comprados de alguma maneira, seja por emendas parlamentares ou em troca de interesses nítidos. Isso mostra que o teatro todo que vem desde a primeira manifestação em relação ao impeachment não passa de uma farsa só para manter os mesmos no poder, principalmente o Temer, que usa a Presidência como habeas corpus para se livrar das denúncias.

Uma pesquisa apontou que quatro em cada dez brasileiros são favoráveis a uma intervenção militar para resolver a crise política. O que você acha disso?
Não são pessoas ignorantes. Isso é fruto do medo e do desespero. Quando as pessoas estão histéricas elas perdem a razão. Elas estão querendo uma resolução rápida como se houvesse uma forma de salvar um País tão complexo como o Brasil. Acho que qualquer pessoa que tem o mínimo de conhecimento do que já foi uma ditadura seja onde for não pode ser favorável a uma intervenção militar. A ditadura foi bastante rigorosa em termos de censura e manifestação e foi corrupta. A gente tem condição de mudar o País por meio do respeito à democracia e não na força.

Você também faz parte da campanha em favor da liberdade de expressão. O episódio que lidera todas as polêmicas é a exposição Queermuseu, cancelada em Porto Alegre e no Rio de Janeiro. O que você pensa sobre essa onda de censura?
É um momento que deve ser debatido com muita cautela sem ser transformado em um ambiente de ódio, como acontece nas redes sociais. O que a gente sabe é que o histórico do brasileiro infelizmente o distancia do teatro, do museu e das manifestações artísticas. O negócio é que existem questões importantes sendo discutidas no Congresso e é criada uma cortina de fumaça usando pautas morais para poder desestabilizar a população ainda mais para tirar o foco do que realmente é importante. A gente tem que tomar muito cuidado sobre que tipo de discurso estamos comprando porque existe uma
desonestidade intelectual por trás do discurso de boicote e ele está voltado exatamente em uma pauta que faz com que o brasileiro com uma visão mais conservadora embarque em uma ideia falsa de que pode sair por aí falando de arte como se tivesse algum conhecimento real dos temas que foram abordados, como pedofilia e zoofilia. Isso tudo é uma maneira de tirar a atenção das pessoas do que é
sério. Não é dentro de um museu que acontece pedofilia, mas dentro da casa das pessoas. Estão banalizando um tema muito sério.

O momento atual da política brasileira tem sido um prato cheio na hora de compor as músicas para o Detonautas? 
Estamos vivendo uma fase muito intensa e esse momento efetivamente dentro do olho do furacão. A gente pode sim compor canções relacionadas a isso, mas a parte que é o rebote dessa história começa a surgir depois que você passa a entender dentro de você qual é o seu papel e de que forma você está analisando tudo isso. Então, não existe uma regra para a inspiração, mas ela vem permeando todo esse universo que estamos vivendo e alguma coisa vai desaguar nessas obras sejam literárias, musicais ou poéticas. De alguma forma isso vai ser canalizado para a arte.

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