Tico Santa Cruz fala de música
"Faça o que você acredita ser a sua verdade, se ela lhe trouxer dinheiro ou popularidade, lhe trará pela intensidade do que você apresenta", indica o vocalista
O músico Tico Santa Cruz, juntamente com o Detonautas Roque Clube, estará em Ribeirão Preto neste sábado, dia 30 de agosto, para se apresentar no MGB Festival, que acontecerá no estádio do Comercial. Mas, o vocalista cedeu uma entrevista exclusiva ao portal da Revide, onde falou sobre cultural, música e política brasileira.
Confira:
- No Brasil, atualmente, é raro os artistas que “levantam” alguma bandeira ou opinam sobre assuntos, muitas vezes polêmicos, do cotidiano. No entanto, você utiliza bastantes as redes sociais. Sempre escrevendo e interagindo com os leitores/fãs. Você acha importante? Acredita que mais artistas deveriam debater sobre vários temas com o público?
Tico: Acredito que artistas que têm voz pública podem fazer a escolha de usá-la para algo produtivo para a sociedade ou apenas em benefício próprio. Isso está muito relacionado com a personalidade de cada um. Porém existem muitos artistas, inclusive que já foram engajados e hoje não se pronunciam mais, que optam pelo conforto do muro. Ficar em cima do muro é uma orientação comercial e empresarial muito comum no Mainstream. Porque não incomoda ninguém e não fecha portas. Todavia, no meu caso, a minha carreira, a forma como o público me conheceu foi através da música que eu faço e dos meus escritos e posicionamentos. É minha personalidade, minha marca, a maneira como me apresento ao mundo. Debater me faz pensar, me inspira e consequentemente me prepara para entender e desenvolver meus conhecimentos sobre os assuntos que decido abordar. O Brasil já teve uma geração de artistas bem atuantes, mas hoje em dia são muito poucos que escolhem se posicionar. É mais cômoda e confortável a omissão.
- Existe algum tema que você tenha mais interesse?
Tico: Eu fiz três faculdades, embora não tenha me formado, mas continuei estudando. Ciências Sociais, Comunicação e Educação física. Me sinto confortável para debater sobre temas em geral, mas quando não sei muito sobre um assunto, como é o caso de economia – por exemplo – procuro tomar cuidado com o que vou dizer. Pesquiso ou não me meto. Futebol não é um assunto que eu conheça. Adoro jogar futebol, mas não entendo nada, não conheço mais os nomes dos jogadores, a não ser os que viraram celebridades, e não sou muito de ir a estádio torcer. Como qualquer pessoa que usa as redes sociais, eu procuro estar atento aos temas e falar sobre os assuntos da minha maneira.
- Qual o seu sentimento em relação à política no Brasil?
Tico: O povo parece ter criado um pouco mais de interesse pelo tema. Mas, como o coma e a indiferença duraram muitos anos, ainda se debate política no Brasil de forma muito superficial e passional. Com essas regras atuais, na minha opinião, podem mudar o Congresso inteiro, o Presidente e todos que lá estão, que o jogo não mudará. É preciso uma reforma política séria urgente. Sem mudanças estruturais de Base, continuaremos rodando em círculos. É preciso que o povo deixe de se fazer de vítima, como se não tivesse responsabilidade pelas escolhas e pelo quadro que estamos vivendo, e decida de forma organizada e inteligente participar mais das decisões importantes. Ainda tem muita gente nesse país que acha que o presidente é quem resolve tudo. Muita gente que não sabe como funciona a democracia, os três poderes, qual é a função de um Senador, de um Deputado e etc. Enquanto os jovens não se interessarem de fato pelo assunto, a política no Brasil permanecerá como sempre foi: um sistema viciado, entregue a Coronéis – sem o apoio deles ninguém governa – e com prioridades que não estão voltadas ao interesse do povo e sim da iniciativa privada, que é quem banca nossos políticos.
- O jornalista Luis Nassif comentou recentemente que o Brasil, assim como o mundo, carece de líderes – na música, na política, na educação – enfim. Você concorda com esta colocação do Nassif de que falta figuras de referências?
Tico: Ícones sempre apontam um caminho. Nem sempre o melhor ou mais correto, mas servem como referência. O modelo atual se consome muito rápido. Muito descartável e superficial. As pessoas não têm mais tempo para se ligarem a ideias, elas estão conectadas com mil coisas ao mesmo tempo e não se importam muito com quem está pensando ou apontando uma direção. Como uma manada, caminham para onde existe mais apelo e após consumir tudo como um ataque de gafanhotos a uma plantação, já mudam o olhar para o próximo alvo e seguem. Eu sinto falta de lideranças interessantes, até para que eu possa discordar. Mas a dinâmica hoje é horizontal, não aponta para líderes e sim para pequenos e rápidos movimentos. A internet tem uma parcela de influência nesse cenário. Pois, ao mesmo tempo em que ela facilitou o acesso, também oferece tanta informação ao mesmo tempo que as pessoas acabam ficando confusas sem saber direito por onde começar. Quem são as lideranças atuais, no mundo? Na política, na música, no cinema, nas artes em geral? Qual é cultura e a contracultura? Não me parece que as pessoas estejam preocupadas com isso, elas querem apenas consumir e quem quer apenas consumir, não se importa com o que está consumindo, desde que tenha o produto ou a ideia da moda.
- O Ministério da Cultura liberou a captação de R$ 4,1 milhões para que o cantor Luan Santana investida em sua turnê. Qual a sua opinião sobre o fato?
Tico: A lei é para todos. O problema não é o Luan em si. O problema é que a Lei não privilegia quem não é conhecido. Há muita ignorância em torno desse tema. As pessoas acham que é menos importante investir em Cultura. Acreditam erradamente, que o dinheiro desses impostos estão deixando de ir para a Educação, para a segurança, para outros setores. São tão ignorantes que não se dão ao trabalho de pesquisar que cada setor tem um orçamento direcionado. O Governo deixa de arrecadar estes impostos para que as empresas possam investir em cultura. Então, a meu ver, se eu fosse fazer alguma alteração obrigaria o artista famoso que tem prestígio e captou valor alto a colocar em seus shows artistas desconhecidos para abrirem as apresentações. Em cada cidade o artista seria obrigado a escolher uma atração local que precisasse de um espaço bacana, com uma estrutura boa para mostrar seu trabalho. Isso oxigenaria muito o mercado e ajudaria muitos outros artistas que não tem a mesma visibilidade.
- O João Barone e o Bi Ribeiro, ambos dos Paralamas do Sucesso, afirmaram em uma entrevista à Folha de S. Paulo que o rock não está morrendo, como muitos acreditam, mas que há sim um encolhimento do público do gênero e uma segmentação de estilos por conta da ascensão das classes C, D e E. Mesmo assim, segundo o baixista, “o rock está do tamanho que tem que ser”. Nestes mais de 10 anos de carreira, vocês têm este sentimento? Houve uma redução? Uma segmentação de estilos?
Tico: Concordo que o acesso das classes mais baixas, C, D e E ao consumo fez com que aqueles que ofereçam conteúdo se voltassem ao que essas classes sempre consumiram. Sertanejo, Pagode, Funk, são manifestações legítimas do povo. E como a mídia de massa se sustenta de vendas de espaços para comerciais e sempre buscando a audiência, é natural que apontem seus canais e suas programações para o que está vendendo. Há uma influência fundamental do contexto político e social que se reflete no que é consumido e no que se torna mais popular. Nos anos 80, quando estávamos saindo da Ditadura, O Rock, a MPB eram fortes porque dentro daquele contexto, eram os representantes que falavam o que o povo queria ouvir. Enquanto a sociedade estiver comprando, consumindo, tendo acesso aos bens materiais, dificilmente estarão preocupados com questões mais sérias. A música não tem obrigação de ser mais do que entretenimento, mas quando o bicho pega e é preciso através dela dizer o que todos querem, normalmente são os estilos questionadores, mais engajados e com um conteúdo mais abrangente que tomam os holofotes. O Rock sempre foi um estilo que agregou a rebeldia e o entretenimento. Mas aos poucos o Rock foi encaretando demais. Deixando de ser um estilo de atitude, de questionamento, de provocação e adotou uma dinâmica mais parecida com a dos outros estilos. Músicas de ‘dor de corno’, ‘choradeira de adolescente’ e uma motivação de ser aceito mais pela forma do que pelo conteúdo. Se explodir uma crise nesse país, pode acreditar que quem tomará a frente e se tornará mais popular serão estes estilos que batem de frente. Rock, Reggae e o Hip Hop que fala das questões importantes da sociedade e do país. Enquanto isso, nós vamos mantendo a resistência e fidelizando um público carente de palavras. O Rock precisa parar com essa bobagem de achar que não pode estar em programas de TV, em locais muito populares. Se você não ocupar estes espaços e dialogar com a massa, alguém o fará no seu lugar. E esse alguém pode ser que só tenha um entretenimento bobo para distrair ainda mais quem já está distraído. Temos que tomar os espaços, todos que se abrirem, e colocar o Rock novamente entre um estilo que dialoga com os jovens.
- Em Ribeirão Preto, há uma movimentação de bandas autorais – inclusive com ajuda/apoio da MGB Studio. Você acha bacana este investimento em festivais?
Tico: Todo trabalho coletivo pode render bons frutos. Várias cabeças pensando e batalhando normalmente podem fazer com que alguns paradigmas sejam quebrados. Mas é preciso que a banda ou o artista tenha sua personalidade e consiga se destacar por sua música, sua letra, sua ideia, sua maneira de ver o mundo.
- Os festivais, como o do MGB, são uma boa opção pra mesclar bandas iniciantes e bandas consagradas e dar uma oportunidade pra todo mundo?
Tico: Sim. Foi o que propus lá em cima quando disse que a Lei Rouanet deveria usar os grandes artistas para abrir espaços para novos artistas. Esse é o papel do Festival, esse é um bom caminho para bandas consagradas. Abrir seus espaços para que outros possam somar.
- Qual dica você daria para os músicos iniciantes?
Tico: Faça o que você acredita ser a sua verdade, se ela lhe trouxer dinheiro, fama ou popularidade, lhe trará pela intensidade da verdade que você apresenta. Imagino como deve ser difícil na cabeça de muitos desses caras que ganham muito dinheiro fazendo o que não gostam e depois que passa, viveram apenas uma ilusão. Ficaram ricos? Famosos? ‘Comeram’ um monte de mulheres? Legal, mas o que deixaram para a história? Eu quero deixar uma história.
Revide on-line
Bruno Silva
Foto: Rafael Kent - Studio 62
* Publicado em 27/08/2014
Fonte: Revide
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